Um assunto muito sério, que tem sido realidade em muitas famílias. Essa entrevista do Dr. Drauzio Varella com a uma especialista no assunto é muito esclarecedora. Confira!
Sandra Scivoletto é médica
psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, coordenadora do Grupo de Estudos Álcool e Drogas e responsável
pelo Ambulatório de Adolescentes do Hospital das Clínicas da FMUSP.
A
palavra depressão é usada com grande liberdade. Basta um pequeno
problema, uma desfeita, um desencontro emocional, um prejuízo
financeiro, para nos declararmos deprimidos. Embora seja empregada como
sinônimo de tristeza, tem pouco a ver com esse sentimento.
Depressão é uma doença grave. Se não for tratada adequadamente,
interfere no dia a dia das pessoas e compromete a qualidade de vida. Nos
adultos, é mais fácil de ser diagnosticada. Eles se queixam e, mesmo
que não o façam, suas atitudes revelam que não se sentem bem e a família
percebe que algo de errado está acontecendo. Com as crianças, é
diferente. Elas aceitam a depressão como fato natural, próprio de seu
jeito de ser. Embora estejam sofrendo, não sabem que aqueles sintomas
são resultado de uma doença e que podem ser aliviados. Calam-se,
retraem-se e os pais, de modo geral, custam a dar conta de que o filho
precisa de ajuda.
SINAIS DA DEPRESSÃO INFANTIL
Drauzio – Quais são os sinais de depressão que devem ser observados na criança, uma vez que ela não reconhece que está deprimida?
Sandra Scivoletto –
A criança tem grande dificuldade para expressar que está deprimida.
Primeiro, porque não sabe nomear as próprias emoções. Depende do adulto
para dar o significado daquilo que se chama tristeza, ansiedade,
angústia. Por isso, tende a somatizar o sofrimento e queixa-se de
problemas físicos, porque é mais fácil explicar males concretos,
orgânicos, do que um de caráter emocional.
Alguns aspectos do comportamento infantil podem revelar que a
depressão está instalada. Por natureza, a criança está sempre em
atividade, explorando o ambiente, querendo descobrir coisas novas.
Quando se sente insegura, retrai-se e o desejo de exploração do ambiente
desaparece. Por isso, é preciso estar atento quando ela começa a ficar
quieta, parada, com muito medo de separar-se das pessoas que lhe servem
de referência, como o pai, a mãe ou o cuidador. Outro ponto importante a
ser observado é a qualidade de sono que muda muito nos quadros
depressivos.
O que se tem percebido nos últimos anos é que a depressão, na
infância, caracteriza-se pela associação de vários sintomas que vão além
da ansiedade de separação manifesta quando a criança começa a
frequentar a escola, por exemplo, e incluem até de medo de comer e a
escolha dos alimentos passa a ser seletiva.
Portanto, a criança pode estar dando sinais de depressão quando a
ansiedade de separação persiste e ela reclama o tempo todo de dores de
cabeça ou de barriga, nunca demonstrando que está bem.
Drauzio –
Quais são as características do sono da criança deprimida?
Sandra Scivolletto –
Na depressão infantil, o sono começa a ser interrompido por pesadelos e
o medo de ficar sozinha faz com que reclame e chore muito na hora de
dormir. Não é o choro de quem quer continuar brincando. É um choro
assustado, indicativo do medo que está sentindo o tempo todo.
Drauzio –
Quando os quadros de depressão passaram a ser reconhecidos na infância?
Sandra Scivoletto – O
reconhecimento da depressão na infância é relativamente recente na
psiquiatria, justamente pela dificuldade que a criança tem de referir-se
ao que sente. Por isso, muitas vezes, era considerada portadora de
fobias específicas, tais como os transtornos comportamentais e a
ansiedade de separação. Foi só há mais ou menos 20 anos, que a doença
passou a ser reconhecida em adolescentes, uma vez sua forma de expressão
é diferente da dos adultos.
DIAGNÓSTICO
Drauzio –
Como você diferencia a depressão dos distúrbios de hiperatividade e atenção?
Sandra Scivoletto – Na criança, é bem fácil
diferenciar a hiperatividade da depressão. Criança hiperativa não para
quieta, mexe-se o tempo todo, principalmente os meninos. Entretanto,
existe um subtipo de hiperatividade que se caracteriza pela desatenção. A
criança não é hiperativa fisicamente, mas não consegue focar a atenção,
por isso se retrai e vai abandonando as atividades. Muitos a consideram
desligada, mas ninguém a considera uma criança triste.
Ao contrário, criança deprimida logo demonstra que não se interessa
por nada e não há brincadeira que a faça sentir-se melhor. Fica parada o
tempo todo e quer sempre alguém em que confie por perto.
Drauzio – Crianças deprimidas perdem a iniciativa?
Sandra Scivoletto –
Perdem a iniciativa e deixam de aprender. Na escola, apresentam várias
dificuldades de aprendizado e, num primeiro momento, são encaminhadas
para a avaliação do oftalmologista, do otorrino, da fonoaudióloga.
Passam também por testes específicos para o déficit de atenção e
hiperatividade. No passado, o diagnóstico de depressão era feito por
exclusão. Hoje se sabe que sintomas como alterações do apetite e do
sono, diminuição da atividade física, medo excessivo, duradouro e
persistente, são próprios da depressão infantil.
FATORES DE RISCO
Drauzio –
Existem fatores desencadeantes que aumentam o risco de quadros depressivos nas crianças?
Sandra Scivoletto –
Existem. Como nos adultos, luto, perdas, separação dos pais,
dificuldade de adaptação a situações novas, mudança de escola e de
domicílio podem gerar estresse, que vai desgastando a criança e
conduzindo a um quadro depressivo. No entanto, na maioria dos casos,
existe um componente hereditário, genético, mais significativo do que
nos adultos, responsável pelo desencadear quadros de depressão na
criança.
Drauzio – Filhos de pais depressivos ou com parentes próximos com quadros de depressão correm maior risco de apresentar o problema?
Sandra Scivoletto –
Correm, e a depressão que se inicia na infância, geralmente, é mais
grave. Por isso, a criança deve ser tratada o mais rápido possível.
Drauzio – Qual é o inconveniente de não diagnosticar a doença e não iniciar o tratamento precocemente?
Sandra Scivoletto – Primeiro, a
dificuldade de aprendizado é grande. Depois, a criança vai crescer
achando que a alegria estampada nas outras pessoas não foi feita para
ela e conforma-se com esse referencial. Mais tarde, quando adolescente,
estará mais propensa ao uso de drogas, porque irá procurar alguma coisa
que alivie esse desconforto permanente. Não é possível que só os outros
consigam ser felizes.
Drauzio –
Num primeiro momento, as drogas fazem isso num piscar de olhos…
Sandra Scivoletto -
Juntar o imediatismo próprio do adolescente com o alívio momentâneo que
a droga dá é um caminho que passa a falsa impressão de que o problema
está resolvido. Isso torna a situação mais difícil ainda. Quando ouve
que deve abandonar o uso de droga, ele argumenta: “Logo agora que estou
me sentindo bem e sem a droga passo mal?”.
Drauzio –
Nos adultos, a estimativa é que
para os quadros depressivos sejam mais frequentes nas mulheres (três
mulheres para cada homem). Nas crianças, essa diferença entre os sexos
também existe?
Sandra Scivoletto –
Na infância, a ocorrência de depressão é praticamente igual nos dois
sexos. A diferenciação começa na adolescência, fase em que as meninas
são mais vulneráveis. Sem dúvida, a questão hormonal interfere
consideravelmente nesse processo.
SINAIS NA ADOLESCÊNCIA
Drauzio –
Existe alguma diferença entre o quadro clínico da depressão infantil e da depressão na adolescência?
Sandra Scivoletto – Existe, principalmente
nos meninos, até por fatores culturais. O menino não internaliza as
emoções como a menina, que se tranca no quarto e chora. Ele se torna
extremamente agressivo, fica na defensiva o tempo todo e sai brigando
com o mundo.
Basta alguém lhe dizer bom-dia, para achar que o estão acusando de
alguma coisa. Rebelde e desafiador, está permanentemente em confronto.
Cria problemas na escola, em casa e entra em conflito com as figuras
hierárquicas. Irrita-se com muita facilidade e essas reações, às vezes,
são confundidas com algum transtorno de comportamento. Quando se fala
aos pais que ele está deprimido, eles reagem: “Como? Se ele tem uma
energia para brigar que não tem fim?”.
Na realidade, o adolescente deprimido age como se a melhor defesa
fosse o ataque e, se conseguimos ultrapassar essa barreira, ele se
mostra muito angustiado e chora.
Drauzio –
Pensando na minha
infância, na infância de minhas filhas e das crianças que vi crescer,
acho que toda criança tem fases em que se mostram mais quietas e caladas
e, às vezes, apresentam dificuldade de adaptação na escola. O limite
entre o que acontece com a criança sem maiores problemas e as que têm
distúrbios mais sérios é muito sutil. O que deve ser valorizado nesses
casos?
Sandra Scivoletto –
Crescer é doloroso. Só crescemos quando o incômodo é maior do que o
medo da mudança. Aí, tomamos coragem e damos um salto. Isso acontece ao
longo da vida e na infância inteira. A criança tem medo de dormir fora
de casa, mas, convidada por um amigo, pensa – “Se eu não for porque
estou com medo, não vou poder brincar com meu amigo” – e a vontade de
estar com ele supera o medo. A criança deprimida não tem essa vontade e,
consequentemente, não encara os desafios. Retomando as reações da
criança normal, diante da dificuldade ela se retrai, fica mais quieta. É
um comportamento de proteção, desejável, que evita situações de maior
risco. Entretanto, a partir do momento em que se sente mais confiante,
encara e vence o obstáculo. Isso é motivo de enorme alegria que a ajuda a
fortalecer a autoestima e a aumentar a autoconfiança.
A criança deprimida não dá esse salto. Aliás, não tem autoestima,
sente-se permanentemente incapaz, não enfrenta desafios. Como é mais
difícil desistir do que tentar, vai sofrendo um afunilamento das
atividades.
A adolescência é uma fase de crises, mas de crises extremamente
breves, fugazes. No mesmo dia, pela manhã, o adolescente é a pessoa mais
infeliz do mundo e, à noite, o mais alegre, porque conseguiu enfrentar e
resolver os problemas que o afligiam. No deprimido, o processo da crise
é longo, permanente.
REAÇÃO DOS PAIS
Drauzio –
Respeitadas as diferenças de cada família, como costuma ser o comportamento dos pais diante de um filho com depressão?
Sandra Scivoletto – A primeira
reação, principalmente se existem outros filhos, é de alívio. “Que bom,
como ele é quietinho, não dá trabalho nenhum!”, eles dizem, porque
durante o dia não demanda atenção, fica quietinho no seu canto. Todavia,
à noite, quando afloram os medos, ele começa a incomodar, porque não
quer ficar sozinho, nem deixa os pais saírem de perto. Geralmente, essa
dificuldade de desligar-se acaba gerando conflito entre os cônjuges. O
pai acha que a mãe está superprotegendo a criança, que está cada vez
mais mimada.
O que acontece com a maioria dos filhos? Longe dos pais, da mãe
principalmente, eles são ótimos, alegres, comunicativos. Já a criança
deprimida fica quietinha num canto, não brinca. Não é que seja muito
agarrada à mãe. Mesmo longe dela, mostra-se retraída, quieta.
Os pais têm enorme resistência em entender esse comportamento como
doença. A primeira leitura é interpretá-lo como erro de criação e
sentem-se culpados. Na grande maioria dos casos, a criança é encaminhada
para psicólogos e só depois de um ou dois anos, quando a terapia não
resolveu, é que procuram outro profissional.
Drauzio –
Como vocês lidam com esses casos?
Sandra Scivoletto -
Temos trabalhado muito no sentido de sair do consultório e do ambiente
hospitalar para atuar nas escolas com os professores. São eles as
pessoas mais capacitadas, não para o diagnóstico, mas para traçarem uma
avaliação do comportamento da criança. Os pais estão emocionalmente
envolvidos e fica difícil para eles assumir essa tarefa.
SUICÍDIO
Drauzio –
Muitos
adolescentes se suicidam, às vezes, por motivo aparentemente banal, mas
no fundo, por trás desse gesto, está a depressão. Quadros de depressão
não reconhecida e não tratada podem levar a extremos como esse?
Sandra Scivoletto –
Felizmente, o suicídio infantil é raro, porque a criança tem uma visão
diferente da morte. Não a vê como fim do sofrimento. É como se fosse um
sono do qual acordará depois.
Na infância, o mais comum é surgir um comportamento que chamamos de
parassuicida. Acidentes podem acontecer com todas as crianças, mas com a
criança deprimida são frequentes, porque ela não se protege, cai da
árvore, é atropelada, arrebenta-se andando de bicicleta. Mal se refez de
um, está metida em outro acidente. Parece que nunca aprende a
resguardar-se.
Na adolescência, a intensidade dos sentimentos e emoções aumenta.
Adolescentes são mais imediatistas e querem resolver rápido a situação
que tanto os incomoda. Por isso, num impulso, em momentos de extrema
angústia, cometem suicídio. É muito difícil perceber neles uma ideação
suicida estruturada e planejada ao longo do tempo.
O que se tem notado, nessa faixa de idade, é a tendência ao
envolvimento com gangues. Dão a impressão de que se sentem atraídos pela
ideia de morte e, como não têm coragem para matar-se, enredam-se em
situações em que um tiro disparado por outra pessoa, será a melhor
solução para o problema, já que não têm nada a perder.
TRATAMENTO
Drauzio –
No tratamento das crianças com depressão há sempre necessidade do uso de medicamentos?
Sandra Scivoletto – Não. Na
infância, conseguimos controlar alguns casos leves e reconhecidos
precocemente com psicoterapia e a orientação dos pais. Entretanto, como a
depressão tem um componente genético muito forte, em certos casos, a
necessidade de medicação torna-se quase compulsória.
Drauzio –
Como nos adultos, a medicação precisa ser usada por bastante tempo?
Sandra Scivoletto – Não.
Felizmente, a criança responde muito mais depressa aos medicamentos do
que o adulto e, quanto menor for o tempo de uso da medicação, melhor. O
que se faz, nesses casos, é indicar um antidepressivo numa dose a mais
baixa possível até a criança começar a apresentar o comportamento
esperado para a idade. Isso demora uns dois meses aproximadamente.
Sedimentado esse comportamento, suspende-se o remédio, mas tanto a
introdução, quanto sua retirada, são feitas aos poucos, lentamente.
Drauzio –
Às vezes,
comentários na imprensa leiga sugerem que alguns medicamentos para a
depressão infantil aumentariam a ocorrência de suicídios. Existe alguma
relação cientificamente comprovada nesse sentido?
Sandra Scivoletto –
O que acontece é que adolescentes muito deprimidos pensam em morrer,
mas a depressão é tão intensa que eles não têm o impulso para tentar o
suicídio. Quando começam o tratamento para a depressão, o que primeiro
melhora é a iniciativa e não o humor. Não é que o antidepressivo tenha
um efeito colateral que leve ao suicídio. Não, infelizmente o humor é a
última coisa que melhora.
Por isso, insistimos em que ninguém pode usar antidepressivos sem ser
acompanhado de perto por um médico, porque é preciso reconhecer o
momento em que há essa passagem ocorre e redobrar a atenção.
Entenda mais um pouco desse assunto. Confira!
Depressão
12 Alimentos para controlar a depressão